"Como vocês podem ver, sou um louco de atirar pedra quando se trata de livros,
autores e dos grandes celeiros onde estão armazenados seus espíritos"
(Em Fahrenheit 451)
Pra mim tão importante quanto a capa e o título, o começo e fim de um livro determinam a extensão de meu amor por eles, e claro se as páginas entre a capa e a contracapa de fato contam alguma coisa boa.
Resolvi ser pretensiosa o suficiente para fazer minha lista de melhores começos e finais. (Claro que lista é sempre muito íntima e tem muito a ver com nossa história literária pessoal).
Esses são os meus mais mais até hoje (quem sabe amanhã não leio Proust ou Córtazar e mude completamente minhas opiniões...).
Um bom começo faz a gente enfrentar cansaço, dor no olho e tudo mais pra descobrir o que tem nas próximas páginas. Um bom final faz a gente lembrar do livro muito tempo depois e pensar: "que sacada, que autor fantástico!"
Melhores Começos
A metamorfose - Franz Kafka
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
Ana Karenina - Tolstoi
Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto. Essa situação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges, para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados, achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles.
Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Marquez
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.
A menina que roubava livros - Markus Zusac
"Primeiro, as cores. Depois, os humanos. Em geral, é assim que vejo ascoisas. Ou, pelo menos, é o que tento.
• EIS UM PEQUENO FATO •
Você vai morrer."
Os Irmãos Karamazov
"Ao começar a biografia de meu herói, Alieksiéi Fiódorovitch, sinto-me um tanto perplexo. Com efeito, se bem que o chame meu herói, sei que ele não é um grande homem; prevejo também perguntas deste gênero:"Em que é notável Alieksiéi Fiódorovitch, para que tenha sido escolhido como seu herói? Que fez ele? Quem o conhece e por quê? Tenho eu, leitor, alguma razão para consagrar meu tempo a estudar-lhe a vida?" A derradeira pergunta é a mais embaraçosa, porque só lhe posso responder dizendo: "Talvez o senhor mesmo descubra isso no romance". Mas se o lerem, sem achar que meu herói é notável? Digo isto porque prevejo, infelizmente, a coisa. A meus olhos, é ele notável, mas duvido bastante de que consiga convencer o leitor."
Melhores Finais
Nada de Novo no Front - Erich Maria Remarque
“Estou muito tranquilo. Que venham os meses e os anos, não conseguirão tirar nada de mim, não podem tirar-me mais nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos estes anos, eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci, não sei. Mas enquanto existir dentro de mim — queira ou não esta força que em mim reside e que se chama “Eu” — ela procurará seu próprio caminho… Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranquilo em toda a linha de frente, que o comunicado se limitou a uma frase: “Nada de novo no front”. Caiu de bruços, e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando alguém o virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma expressão tão serena, que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim.”
A revolução dos bichos - George Orwell
"Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera a fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era o homem e quem era o porco".
Grande sertão veredas - João Guimarães Rosa
"E me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é o de um relatar passagens de sua vida, em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras. Cerro. O senhor vê. Contei tudo.Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. Amável o senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia."
Ensaio sobre a cegueira - José Saramago
"Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. A mulher do médico levantou-se e foi ... janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco. Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava."Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto
"...E não há melhor respostaque o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
E vocês quais seus começos e fins favoritos? Dividam comigo.
2 !:
Pois é,
Um dos melhores começos é o da menina que roubava livros, sem dúvidas.
Mas sua lista foi ótima,
Bjos.
A metamorfose, do Kafka; Cem anos de solidão, do Marquez (começos). A revolução dos bichos, do Orwell; Ensaio sobre a cegueira, do Saramago (finais) estariam na minha lista também, pois são os melhores para mim. Gostei da ideia! Sua lista é impecável.
Postar um comentário