3.7.17

caneta e papel



Esses dias tenho pensado bastante sobre a importância das palavras e do ato de escrever no Cristianismo. É impossível ser cristão sem leitura ou sem acesso às palavras (mesmo os apenas ouvintes). A Bíblia inequivocadamente nos aponta a centralidade do verbo (se eu fosse boa em gramática ia abusar aqui do uso das sintaxes).
Paulo em um texto à igreja em Roma afirma que tudo o que foi anteriormente escrito, foi escrito para nosso ensino, consolação e esperança. É muito confortante dar-se conta disso.
Ouvindo a lindíssima Caneta e Papel de Tiago Arrais, fui atingida em cheio por esta verdade. Na verdade fui abraçada. Pois há escritos feitos para nossa esperança. Em dado momento da canção que trata sobre uma jornada, Tiago pede “meu bem, não esqueça caneta e papel, para por em palavras o que iremos ver, na rota adiante de nós, escrita por nossas mãos…”. Quantos cristãos não tiveram atitudes semelhantes ao longo da história? Quantos cristãos não sentaram ao final do dia, pegaram seus diários e colocaram em um papel as suas experiências com Deus? Esse tipo de movimento é terapêutico e mostra maturidade: a coragem de registrar sentimentos, pensamentos e intenções do coração. Isto tem dois resultados: um é o benefício para própria pessoa, pois escrever é uma forma de organizar pensamentos e serve como catarse; outro é para nós, seus inesperados interlocutores que num dado momento teremos acesso a seus diários e seremos edificados, seremos consolados, receberemos esperança porque constataremos: esse cristão é tão humano quanto eu!
Todos nós em um dado momento nos inspiramos em outros cristãos e tivemos acesso a suas histórias de vida. Já perceberam que quase todos os cristãos que são considerados padrão de fé mantinham um diário? Eu gosto de ler os diários  de cristãos que são referência para mim. As palavras deles reafirmam para mim que professamos uma fé partilhada por simples seres humanos, quebrados, frágeis e cheios de dúvidas. Enquanto os tratados teológicos e os sermões nos púlpitos nos apresentam “homens cheio de poder”, os diários nos dão vislumbres dos dias de fé abalada, da tomada de consciência da própria impotência e da graça abundante que cerca o cristão dia a dia. Ter acesso a isso é bom porque nos ajuda a perceber que não há um justo sequer, que todos somos pó e dependentes de graça.
O Cristianismo é feito pelas palavras, conduzido por elas e se proclama a partir delas. Cristo é a Palavra!
O Cristianismo é marcado por experiências pessoas e singulares com Deus, que se coletivizam no partilhar das histórias. Alguém disse que além de átomos, somos feitos de histórias. Deus sabe disso. Ele sabe da importância de um “baseado em fatos reais” para o fortalecimento de nosso caráter e daí ele convida alguns para, a medida que vivam suas vidas, andem carregando caneta e papel e registrando tudo para o fortalecimento dos outros. Bom para nós.
Tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar, para que, por meio da perseverança e do encorajamento que vem das Escrituras, pudéssemos ter esperança”
(Carta à igreja em Roma,15.4).

20.6.17

casa

Qualquer pessoa que me conhece minimamente sabe que existem coisas no mundo que me mobilizam profundamente. Uma dessas coisas é a vida refugiada. Oro por isso. Me mobilizo por isso dentro dos meus limites. Falo quase sempre sobre isso.
A condição do refugiado me toca por diversas razões que eu não saberia explicar. Por isso deixo aqui um poema que conheci ano passado e descreve exatamente a vida de 60 milhões de pessoas no mundo.




Eu conheci a Warsan Shire após o álbum Limonade. Ouvi suas poesias e fui pesquisar, no processo encontrei o poema Casa e meu Deus foi uma experiência transcendente de identificação.


Casa,


ninguém sai de casa a menos que
casa seja a boca de um tubarão
você só corre para a fronteira
quando vê a cidade inteira correndo também

seus vizinhos correndo mais rápido que você
fôlego sangrento em suas gargantas
o menino com quem você foi à escola
que te beijou e deixou tonta atrás da velha fábrica de latão
está carregando uma arma maior do que o corpo dele
você só sai de casa
quando a casa não te deixa ficar.

ninguém sai de casa a menos que a casa te persiga
fogo embaixo dos pés
sangue quente na sua barriga
não é algo que você já tenha pensado em fazer
até que a lâmina queimada ameaça entrar
no seu pescoço
e mesmo assim ainda você ainda carregou o hino sob
seu fôlego
só rasgou seu passaporte nos banheiros do aeroporto
soluçando enquanto cada pedaço de papel
deixava claro que você não ia mais voltar.

você tem que entender
que ninguém coloca seus filhos em um barco
a menos que a água seja mais segura que a terra
ninguém queima suas palmas
sob trens
embaixo de vagões
ninguém gasta dias e noites no estômago de um caminhão
se alimentando de jornais a menos que os quilômetros viajados
signifiquem algo mais do que jornada.
ninguém rasteja por debaixo de cercas
ninguém quer receber surra
piedade

ninguém escolhe campos de refugiados
ou revistas íntimas em que seu
corpo fica doendo
ou a prisão,
porque a prisão é mais segura
do que uma cidade de fogo
e um guarda de prisão
na noite
é melhor do que um caminhão
de homens que se parecem com seu pai
ninguém conseguiria suportar
ninguém conseguiria digerir
ninguém teria uma pele tão dura

os
vão embora negros
refugiados
imigrantes sujos
requerentes de asilo
sugando nosso país até secá-lo
macacos com as mãos abertas
eles cheiram estranho
selvagens
bagunçaram o país deles e agora querem
bagunçar o nosso
como as palavras
os olhares sacanas
escorrem pelas suas costas
talvez porque o golpe é mais leve
do que um membro decepado

ou as palavras são mais macias
do que catorze homens entre
as suas pernas
ou os insultos são mais fáceis
de engolir
do que cascalho
do que osso
do que o corpo do seu filho
em pedaços.
eu quero ir para casa,
mas casa é a boca do tubarão
casa é o tambor da arma
e ninguém sairia de casa
a menos que a casa tenha te perseguido até a praia
a menos que a casa tenha te dito
para apressar as pernas
deixar suas roupas para trás
rastejar pelo deserto
vagar pelos oceanos
se afogar
salvar
ter fome
pedir
esquecer o orgulho
sua sobrevivência é mais importante

ninguém deixa sua casa até que casa seja uma voz suada no seu ouvido
dizendo –
saia
fuja de mim agora
eu não sei o que eu me tornei
mas eu sei que qualquer lugar
é mais seguro que aqui.
Tradução: Tomaz Amorim Izabel

12.6.17

Livrinhos



O meu quarto é um lugar que os meus sobrinhos gostam de estar. E uma das coisas que eles mais gostam de fazer é pegar os livros infantis na mala e ler. Eles fazem isso porque sempre me veem lendo e querem fazer o mesmo. Pedro com 10 anos já tem suas HQ’s e livros favoritos, Lhivia com 6 anos está aprendendo a ler e ama de paixão o livro da Mary Poppins e o livro Histórias de ninar para garotas rebeldes. Gustavo com 3 anos está na fase de leitura de imagens e adora um livrinho chamado O livro estreito  e a história dos Sete Camudongos.
Junto com eles fomos descobrindo livros que gostamos e histórias bonitas e que tratam de questões importantes.
Gleice, uma amiga de ONG vai fazer o chá de bebê da pequena Maria Flor de livros  me pediu indicações de livros. Pensei bastante e a priori queria indicar apenas livros que tratam de direitos humanos. Mas lembrei de histórias que tratam das relações humanas. Alguns das diferenças de geração e memória como o QUERIDO Guilherme Augusto Araújo Fernandes. Outros tratam da própria aceitação do seu corpo como o LINDO O cabelo de Lelê. Existem também clássicos que estão aqui com a única intenção de despertar a imaginação e reafirmar a importância da literatura fantástica, é o caso de Onde vivem os monstros. Coloquei também alguns com o único propósito de formar um senso leitor, e por isso tem livros do Mia Couto, do Saramago, do Neil Gaiman, do Graciliano.  Ah e claro, existem também biografias para crianças que são fundamentais, colocamos na nossa lista a Malala, a Frida, o Mandela, o Luther King, a Rosa Parks, a Channel. Nós (especialmente Lhivia e eu) gostamos demais da trajetória deles e esperamos que todas as crianças conheçam.



Perguntei a Pedro, Lhívia e Gustavo e lembrei de algumas histórias e separamos aqui 50 histórias infantis que nós amamos porque ou tratam de direitos humanos (feminismo, racismo, diversidade) ou aguçam a nossa curiosidade e imaginação. Eu lamentei muito porque boa parte desses livros é da extinta Cosac Naify que tinha um trabalho fabuloso com relação à qualidade dos livros infantis. Mas todos podem ser encontrados ainda. Vale a pena se não tê-los, ao menos encontra-los nas bibliotecas e espaços de leitura vida a fora.
Esperamos que vocês gostem da lista e que alguns desses livros façam parte da infância de muitas crianças.

Eis a nossa lista:

1.Histórias de ninar para garotas rebeldes (Elena Favili e Francesca Cavallo)
2. Matilda (Roald Dahl)
3. Menina bonita do laço de fita  (Ana Maria Machado)
4.Casa das estrelas  (Javier Naranjo)
5.Tanto, tanto  (Trish Cooke)
6. O cabelo de Lelê (Valéria Belem)
7. Malala. A menina que queria ir para a escola (Adriana Carranca)
8. Um outro país para Azzi (Sarah Garland)
9. Tudo bem ser diferente (Todd Parr)
10. É tudo família e outros parentes (Alexandra Maxeiner)
11. Migrar  (José Manuel Mateo)
12. O pássaro amarelo (Olga de Dios)
13. Antiprincesas – Frida Kahlo (Nádia Fink)
14. Antiprincesas – Violeta Parra (Nádia Fink)
15. Ser humano é  (Fabio Sgroi)
16. O cabelo da menina (Fernanda Takai)
17. One Love (Cedella Marley)
18. A esperança é uma menina que vende frutas  (Amrita Das)
19.A terra dos meninos pelados  (Graciliano Ramos)
20. Mandela. O africano de todas as cores (Alain Serres)
21. A árvore generona (Shel Silvestein)
22. Na noite escura (Bruno Munari)
23. Martin e Rosa (Raphaelle Frier e Zau)
24. Bichos que existem e bichos que não existem (Arthur Nestrovski)
25. Mary Poppins (P.L. Travers)
26. Felizmente o leite (Neil Gaiman)
27. Diferente como Chanel (Elizabeth Mattheus)
28. Onde vivem os monstros  (Maurice Sendak)
29. O nascimento de Celestine (Gabrielle Vincent)




30. O mundo black power de Tay’o (Kiusam de Oliveira)
31. Príncipes, princesas, sapos e lagartos (Flavio de Souza)
32. Crianças como você (Barnabas e Anabel Kindersby)
33. Exercícios de ser criança  (Manoel de Barros)
34. A grande questão  (Wolf Erlbruch)
35. As tranças de Bintou  (Sylviane Anna Diouf)
36. Começo, meio e fim (Frei Betto)
37. Minha família é colorida (Georgiana Martins)
38. Os direitos da criança (Ruth Rocha)
39. Flora (Bartolomeu Campos de Queiroz)
40. Olívia não queria ser princesa (Ian Falconer)
41. A democracia pode ser assim (Marta Pina)
42. Menina iluminada  (Neil Gaiman)
43. Minhas contas (Luís Antonio)
44. Gente pequena também tem direitos (Malô Carvalho)
45. Na cozinha nortuna (Maurice Sendak)
46. O gato e o escuro (Mia Couto)
47. Ynaí, a menina das cinco tranças (Ondjaki)
48. Ciça e a rainha (Neusa Jordem Possatti)
49. Guilherme Augusto Araújo Fernandes (Men Fox)
50. A maior flor do mundo (José Saramago)

Espero que Gleice, Pedro e Maria Flor gostem. Ah, e vocês também.

Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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