30.1.14

mais uma de amor

"Como vocês podem ver, sou um louco de atirar pedra quando se trata de livros,
autores e dos grandes celeiros onde estão armazenados seus espíritos"
(Em Fahrenheit 451)



Pra mim tão importante quanto a capa e o título, o começo e fim de um livro determinam a extensão de meu amor por eles, e claro se as páginas entre a capa e a contracapa de fato contam alguma coisa boa.
Resolvi ser pretensiosa o suficiente para fazer minha lista de melhores começos e finais. (Claro que lista é sempre muito íntima e tem muito a ver com nossa história literária pessoal).
Esses são os meus mais mais até hoje (quem sabe amanhã não leio Proust  ou Córtazar e mude completamente minhas opiniões...).
Um bom começo faz a gente enfrentar cansaço, dor no olho e tudo mais pra descobrir o que tem nas próximas páginas. Um bom final faz a gente lembrar do livro muito tempo depois e pensar: "que sacada, que autor fantástico!"

Melhores Começos

A metamorfose - Franz Kafka

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intran­quilos, em sua cama meta­morfo­seado num inseto monstruoso. Estava dei­tado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremu­lavam desamparadas diante dos seus olhos.

Ana Karenina - Tolstoi

Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto. Essa si­tuação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges, para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados, achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles.

Cem anos de solidão - Gabriel Garcia Marquez

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, cons­truídas à margem de um rio de águas diá­fanas que se precipitavam por um lei­to de pedras polidas, brancas e enor­mes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para men­cioná-las se precisava apontar com o dedo.

A menina que roubava livros - Markus Zusac

"Primeiro, as cores. Depois, os humanos. Em geral, é assim que vejo as
coisas. Ou, pelo menos, é o que tento.

EIS UM PEQUENO FATO •

Você vai morrer."

Os Irmãos Karamazov

"Ao começar a biografia de meu herói, Alieksiéi Fiódorovitch, sinto-me um tanto perplexo. Com efeito, se bem que o chame meu herói, sei que ele não é um grande homem; prevejo também perguntas deste gênero:
"Em que é notável Alieksiéi Fiódorovitch, para que tenha sido escolhido como seu herói? Que fez ele? Quem o conhece e por quê? Tenho eu, leitor, alguma razão para consagrar meu tempo a estudar-lhe a vida?" A derradeira pergunta é a mais embaraçosa, porque só lhe posso responder dizendo: "Talvez o senhor mesmo descubra isso no romance". Mas se o lerem, sem achar que meu herói é notável? Digo isto porque prevejo, infelizmente, a coisa. A meus olhos, é ele notável, mas duvido bastante de que consiga convencer o leitor."


Melhores Finais

Nada de Novo no Front  - Erich Maria Remarque

“Estou muito tranquilo. Que venham os meses e os anos, não conseguirão tirar nada de mim, não podem tirar-me mais nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos estes anos,  eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci, não sei. Mas enquanto existir dentro de mim — queira ou não esta força que em mim reside e que se chama “Eu” — ela procurará seu próprio caminho… Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranquilo em toda a linha de frente, que o comunicado se limitou a uma frase: “Nada de novo no front”. Caiu de bruços, e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando alguém o virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma expressão tão serena,  que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim.”


A revolução dos bichos - George Orwell

"Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera a fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já  era impossível distinguir quem era o homem e quem era o  porco".


Grande sertão veredas - João Guimarães Rosa

"E me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é o de um relatar passagens de sua vida, em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras. Cerro. O senhor vê. Contei tudo.
Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro. Amável o senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia."

Ensaio sobre a cegueira - José Saramago

"Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. A mulher do médico levantou-se e foi ... janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco. Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava."


Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto

"...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."


E vocês quais seus começos e fins favoritos? Dividam comigo.



2 !:

Luís Monteiro disse...

Pois é,
Um dos melhores começos é o da menina que roubava livros, sem dúvidas.

Mas sua lista foi ótima,
Bjos.

Jennifer Dias disse...

A metamorfose, do Kafka; Cem anos de solidão, do Marquez (começos). A revolução dos bichos, do Orwell; Ensaio sobre a cegueira, do Saramago (finais) estariam na minha lista também, pois são os melhores para mim. Gostei da ideia! Sua lista é impecável.



Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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