16.8.13

Depois da aula de Saúde Mental


Hoje na aula de Saúde Mental II discutíamos sobre a intensa medicalização que tem marcado o nosso tempo. Umas horas sem conseguir dormir tem levado muitos de nós a tomar ansiolíticos e dormir.Não se pensa mais no que gerou essa "insônia", pois não é bom para nossa lógica capitalista que grita bem alto: "Prazer, consumo, bem-estar, poder!". Tudo o que for de encontro a essa lógica deve ser evitado de todas as formas. Decidimos que não queremos mais a dor, afinal ela é desagradável, e a todo custo nos anestesiamos contra ela. Todavia, esquecemos que precisamos dela para nossa sobrevivência. Biologicamente é a dor o guarda que avisa "há problema no dente". Filogeneticamente foi a dor o nosso impulso gerador através dos anos. É também por causa dela que chegamos a esse nível de sofisticação. Negar a dor é negar uma parte importante de nós.

O meu corpo é cheio de cicatrizes. Tive uma infância feliz o suficiente para cair de pé de manga, cortar o pé nos arames da roça de meu tio e me ferir e machucar com mil e uma estripulias. E lembro que toda a vez que a ferida ia cicatrizando eu tirava a casquinha com o dedo. Sempre mantive uma relação legal com as 34 mil cicatrizes de meu corpo, porque elas me apontam uma coisa importante: eu vivi!

Cada cicatriz conta a história de um dia que foi especial. Ainda está aqui o corte da primeira viagem, a ferida adquirida na inauguração da roça de meu tio quando cai do umbuzeiro. Ainda estão aqui as marcas da catapora. E todas elas dizem a mesma coisa: "Moça como você foi feliz!!"

A dor também pode ser um momento em suspenso muito importante que temos para avaliar nossas vidas. Um exemplo clássico disso é a velha dicotomia entre Oriente e Ocidente. Enquanto um vê na dor uma oportunidade de aprender e ser sábio. O outro a evita sem escrúpulos.

Salomão diz que é mais sábio ir a um funeral que a uma festa, já que o primeiro nos concede a possibilidade de refletir sobre nossas ações e avaliar se elas são coerentes com o que consideramos correto. Não estou sendo fenomenológica, nem fazendo apologia em favor de ficarmos eternamente trites. Não, não é isso. De maneira nenhuma!
Só que me parece que estamos avançando rapidamente para o Admirável Mundo Novo da imaginação de Huxley. Estamos com afinco e sem refletir nos tornando máquinas de alegria constante e mecânica. Entre Ritalinas, Gardenais, Diazepans e afins vamos avançando na nossa felicidade totalitária rumo ao um "soma" de fato. A anestesia final, a eterna felicidade. Tudo bem. Sem questionamento ou auto-reflexão ou inquietação. All rigth!

Podemos optar pela anestesia, e em consequência perderemos parte de nossas vidas. Perderemos o limite! Eu sinceramente se pudesse escolher não abriria mão de nenhuma de minhas cicatrizes porque elas são relíquias, sinais, símbolos de uma vida que foi intensamente vivida! Mesmo que com isso, eu passasse por toda dor e choro novamente!


Engraçado como textos escritos há quatro anos ainda fazem sentido.

1 !:

Ana Bonfim disse...

Concordo contigo, vivemos em uma sociedade hipocondríaca. As vezes um pouco de dor faz bem. Ótimo texto (:

Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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