11.1.15

a vida dos peixes


Do nada Alesson me diz que “os dois novatos morreram”.
A primeira coisa que eu pensei era que eles não tinham nomes. Tudo o que restou foi que o peixe azul que eu achara lindo morreu. Porque mesmo eles não tinha nomes? 
Há uns dias atrás meu amigo me apresentou seu aquário. A Fenda do Biquíni, segundo ele. Fiquei frustrada por não haver nenhum Lula Molusco com o qual eu pudesse me identificar. Todos os peixes eram lindos e brilhantes. Eu quis saber seus nomes, afinal qual o bicho de estimação do mundo não tem nome? (mesmo que o nome seja peculiar como minha amiga Carlene que tem um gato que o nome é Gatinho e o gato é enorme!).
Mas os peixes de Alesson não tinham nome. Fiquei as horas seguintes tirando a paciência dele alegando que os peixinhos mereciam esse elemento identitário. Ele capitulou, mas foi bem espertinho e me envolveu na história de nomear os peixinhos. Eu queria que um dos peixinhos se chamasse Paul McCartney, mas Alesson não deixou e depois de muitas brigas os nomes foram escolhidos (graças a mim os pobres não receberam os nomes dos anões que acompanharam Bilbo no Hobbit, apesar de infelizmente ninguém ter ganhado o nome legal do Paul!). 
E de um jeito estranho e louco me apeguei aqueles peixes. Ficava perguntando a Alesson se eles estavam ou não vivos, se estavam felizes (como medir isso.. ?), se eram alimentados e acho que o moço foi se acostumando com minha intromissão pois volta e meia ele me dava a notícia sem eu exigir. O aquário quebrou. Novos peixes chegaram. Outro peixe morreu. E por aí foi. Me apeguei aos peixes alheios.
Ontem recebi a notícia de peixes novos. Eles eram lindos. Azuis. (Os peixes de Alesson são todos laranjas, exceto um que albinou-se). Estranhamente lembrei de um filme chileno que assisti anos atrás chamado A vida secreta dos peixes. Assisti ao filme só por causa do nome. 
O filme falava da dificuldade das relações humanas. Tinha aquário enorme e dois personagens muito introspectivos, cativantes e frágeis. Contava basicamente de um casal que se perdeu. E da dificuldade de se reencontrar. Há muita complexidade na vida no final das contas. É um filme bem parado, mas muito inquietante. Igual a peixes no aquário. Pois definitivamente eles não vão fazer barulhos e nem importunar vizinhos. São quietos, introspectivos e inquietantes.
Quando soube da morte dos azuis hoje só consegui pensar naquela canção que diz que a vida é tão rara. A vida é de uma fragilidade atroz. Ontem eles eram azuis e lindos. Hoje eram ontem. Falei isso: a vida é frágil. Isso era mais pra mim no entanto falei pra Alesson. Ele escreveu o irritante "Uhum" (esse amigo tem o mal da monossílaba!) e disse que eles não se adaptaram. Porque não se adaptaram? Pensei em Darwin. Na evolução das espécies. Pensei mil bobagens até Alesson me explicar que muitas coisas interferem na vida dos peixes no aquário: temperatura, água, oxigenação. Eu não fazia ideia disso. Pensava que era só colocar os peixes no aquário e eles seriam felizes fariam amigos para sempre igual ao Nemo. Pelo jeito estava novamente enganada. A vida é mais difícil que os filmes. Mesmo para os peixes.
Para sobreviver os peixes precisam que uma série de fatores estejam perfeitos para uma adequada adaptação. Nós somos peixes. Para sobre viver nós precisamos de uma série de elementos que nos garanta adaptação ou no mínimo uma assimilação da realidade tranquila. A maioria de nós é só laranja. E se acostuma a isso. Volta e meia mudam as águas e mudamos o nosso temperamento, albinizamos também. E se esses elementos falham e alguma coisa boba muda, simplesmente morremos. Por vezes morremos fisicamente porque como grande aquário não temos sido um sucesso, e alguns morrem de fomes, doenças, intolerâncias e outras brutalidades. Outros morrem porque vão sendo mutilados nas coisas que dão sentido a vida. Por vezes são peixes azuis no meio de vários peixes laranjas. Destoam. Exigem outro modo de vida. Fracassam. E morrem ainda que estejam com suas  funções vitais ativas.
O que me dei conta, de um jeito bem clichê é que a vida dos peixes não é secreta. Ela é muito semelhante a nossa. A vida é tão rara. Há muitos melindres necessários para fazê-la funcionar. Há que se cuidar da vida de fato. A nossa e a dos peixes.
Essa é uma notinha de luto pelos dez peixinhos de Alesson que já se foram. Os que tinham nome  e os que não tinham.  

Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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