29.10.14

metalinguismo.

Para ler ouvindo Livros, do Caetano

Hoje é dia nacional do livro, para mim é dia nacional do amor correspondido, pois os livros me fazem um terrível e estranho bem. Com eles estou completamente à vontade. Uma sábia disse no twitter que hoje deveria ser feriado para ficarmos em casa lendo nossos livros favoritos. Eu concordo totalmente com a proposta e já estou assinando petição pra enviar à Assembleia Legislativa. 
Então resolvi falar rapidamente de um gênero específico de livros: os metalinguísticos! Como assim você me pergunta. Falo dos livros que falam de outros livros. Gosto muito desse tipo, porque em geral há uma explicação nos livros sobre porque amamos os livros. Nos identificamos nos leitores personagens, entendemos a relação que eles estabelecem e nos sentimos contemplados em nossas sensações por estes autores que merecem abraços constantes cada vez que inventam de escrever um livro sobre livros.
Há uma infinidade de livros assim, hoje vou falar pra vocês de quatro que têm formas de escrita completamente diferentes e atingem públicos diferentes, mas falam de personagens que estabelecem relações de amor com livros e por isso merecem ser lidos; a saber: Fahrenheit 451 de Ray Bradbury; Balzac e a costureirinha chinesa de Dai Siijie; A vida do livreiro A.J.Fikry de Gabrielle Zevin e A sombra do vento de Carlos Ruiz Zafón.  (Tá confuso essa linguagem dentro da linguagem né?! Ahhh metalinguagem!)



1. Fahrenheit 451.
Considerado uma distopia (mas há quem discorde) essa história nos convida a passear em um mundo fictício em que bombeiros tem a função oficial de queimar livros. A sociedade é baseada no uso excessivo e hipnótico da televisão e de medicamentos, e pela abolição total da palavra escrita pois essa é a culpada das dores do mundo e foi erradicada da terra.
Aí vamos acompanhando a vida Guy Montag, um bombeiro comum e bem feliz, que conhece uma moça estranha (Clarisse!!) que defende a necessidade dos livros. Isso faz o Guy pensar e junto com ele vamos conhecendo outras pessoas, as que amam os livros e vivem para preservá-los. Vemos situações de pessoas morrendo incendiadas tentando salvar seus livros. Há uma resistência no pretenso mundo perfeito. E o Guy descobre que suas certezas talvez não sejam tão certas.
Fahrenheit 451 nos convida a pensar numa sociedade sem livros, sem questionamentos, sem reflexão. E a mim pelo menos conquistou ao mostrar o que movia as pessoas a lutar pela preservação dos livros. Algumas abrindo mão do conforto social para viver na clandestinidade sendo livros humanos.
O livro é uma apologia a importância do livro. É um convite a reflexão da necessidade desses ajuntamentos de papéis para nossa vida social e para a construção de nossa identidade pessoal. Não canso de reler essa distopia. Cada vez ela faz mais sentido. Cada vez ela celebra mais a nossa capacidade de criar mundos, explicações, rotas de fugas e encaderná-las, encapá-las e distribui-las de tal forma que podemos ter o mundo e outros mundos em nossa estante.

2. A vida do livreiro A.J. Fikry
A vida do livreiro A.J. Fikry não é uma saga tolkeana, nem promete grandes reviravoltas; a história em si é bem clichê (tem câncer, antissocialibidade, mortes, segredos de família, adoção, amor..), mas seu trunfo reside na narrativa, na capacidade que a autora tem de nos fazer ler um pouco mais. Pois se você é de fato um leitor vai se identificar com os sentimentos do A.J. pelos livros, pelas livrarias e vai desejar que sua sua história também seja marcada por livros.
A vida de A.J gira em torno da sua livraria: seus amigos, amor, filhos, surpresas da vida todos são gerados lá dentro (inclusive gente o personagem do delegado Lambiase é uma graça a parte). Ao longo das páginas temos livros raros perdidos, clube do livro inusitado, querelas livro escritos x tecnologia e muitas sensações compartilhadas.
Outra coisa bacana no livro é a colagem de trechos de outros livros no início de cada capítulo que se mistura com a temática do capítulo lançando sinais importantes (temos Poe, Fitzgerald, Dahl, O’Connor...). As histórias dão a sensação de inter-relaciona-se, como se o próprio A.J tivesse pegado pedaços de outras histórias para explicar sua vida. É muito legal porque quando você fecha o livro e pensa acabou, se depara com uma lista de indicações de livros pra ler.

3. Balzac e a Costureirinha Chinesa
É um livro de amor e um amor de livro. É um livro sobre amores e livros. O livro nos leva a regiões rurais da China justo na época da Revolução Cultural e sua perseguição a pensadores e suas famílias e vamos acompanhando os dias de dois rapazes que por seres filhos da elite intelectual chinesa anterior a Mao, são mandados para o campo para serem reeducados junto aos camponeses. Os rapazes incrivelmente sagazes se saem bem na convivência com a comunidade pois descobrem a importância da narrativa na vida das pessoas. Eles ganham alguns privilégios graças a sua capacidade de contar histórias e eles mesmo descobrem ao longo do livro que também precisam de histórias para sobreviver, e sobreviver com graça uma revolução que negava as individualidades. 
Filhos de médicos renomados, os dois rapazes vão encontrar alegria no fim do mundo ao surrupiarem de um outro colega filho de poetas um baú com livros, e livros clássicos, super proibidos no regime de Mao Tsé Tung; além de uma bela costureirinha que também vai tendo acesso a livros e se tornando dona do coração dos dois rapazes.
Na convivência com Dostoievski, Dickens, Dumas, Flaubert, o narrador e Luo vão moldando suas vidas e personalidades e vendo a costureirinha também mudar a medida que aumentava o contato com a literatura. Esse livro é lindo. Mostra jovens encontrando na literatura o único refúgio para seu drama sem fim, uma mínima liberdade em meio a opressão do regime comunista chinês. Uma subversão, uma alegria profunda, um tesouro. Há poesia na prosa aqui, há questões adolescentes em situação extrema tratada com tanta delicadeza e há é claro a força dos livros tornando a vida mais fácil.

4. A sombra do vento
Se você acompanha esse blog há algum tempo lembra que te abusei de tanto falar em A sombra do vento. Com esse livro Zafón ganhou meu coração para sempre eternamente amém.  Esse livro me fez ir procurar outros autores espanhóis. Esse livro é um xodó eterno e pronto.
A sombra do vento definitivamente não faz meu estilo, é um livro de suspense, uma busca meio policial inquieta e cheia de intrigas, mistérios e reviravoltas. Com a dose certa de amores possíveis e amores contrariados. Com um livro proscrito, um autor morto misteriosíssimo. Alguns personagens inesquecíveis (Clara do meu ódio, Fermím do meu carinho eterno!), um cenário maravilhoso chamado Barcelona (depois desse livro fiquei com vontade de conhecer a jóia da Catalunha), um moço que era livro de um livreiro. Um cemitério de livros esquecidos, criado para guardar todos os livros abandonados do mundo. Mil e uma metáforas lindas e claro muito amor pelos livros. 
Vamos acompanhando as aventuras que Daniel Sempere se mete ao abrir a página de um livro e só fechar quando a história termina e sem seguida querer saber tudo sobre o autor, ler outros livros (quem nunca teve essa sensação e comportamento atire a primeira pedra) e a descoberta que os livros do autor misteriosamente sumiram da Espanha e só falar no nome as barreiras e tabus se formam. Daí quando você vê está numa história que te prende, deixa apreensiva e sem conseguir se libertar. 
O Zafón é mestre quando se trata de conectar tudo. Nada é colocado sem um propósito, nenhum personagem sobra, todos são fundamentais no desfecho e que desfecho! Já falei que amo esse livro¿ Pois então, amo.

Bônus:
Há muitos livros que foram escritos para contar nossa história de amor, alegria, dependência e desencantos com os livros, algumas são muito famosas como A menina que roubava livros, outras maravilhosíssimas e diferentes como Mundo de Tinta, mas todos muito bons. E vale a pena ler. Leiam, leiam, leiam um pouco mais.  Pois como bem canta o Caetano, “ sem dúvida sobretudo o verso é o que pode lançar mundos no mundo..”



Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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