1.7.13

Um pouco Natasha



Tolstói é um dos meus escritores favoritos no mundo. Seus personagens são absolutamente fantásticos. Gosto muito do jeito que Leo (sou íntima... ha ha ha!) trata da personalidade de seus personagens. São todos muito humanos: gente que quer ser boa, mas que as vezes falha nisso, ou que se questionam o tempo inteiro o que é ser bom (Lievin, amo!).
Em Guerra&Paz, conhecemos Natasha. Uma moça que é difícil não gostar. Natasha é uma boa pessoa, numa família maravilhosa (eu sempre quis ser uma Rostov), um pouco ingênua, muito petulante e absolutamente encantadora.
Como saber que o amor é amor e não admiração ou paixão? Essa é a pergunta que a Natasha Rostova me faz  sempre que volto a ler as centenas de páginas de Guerra&Paz. 
Natasha, como a maioria de nós, tem uma idealização clara do que é o amor e escolhe Andrei como objeto de desejo. Ele é totalmente impossível para ela, considerando que nunca  a notou, é rico, e casado. O fato é que ao longo das páginas de Tolstói e das reviravoltas da vida e da guerra, Natasha consegue conquistar a atenção e o coração de Andrei. Logo fica claro que parte do amor que Natasha sente baseia-se na profunda admiração pelo rapaz que é um herói e um modelo de integridade, mas a medida que o tempo e distância aquietam a relação Natasha se vê um tanto frustrada pois as expectativas que ela tinha sobre ele se mostram infundadas.
Nesse ínterim a má Helena (odeio ela!) convence o irmão salafrário a seduzir Natasha como vingaça por ela ter defendido Pedro da megera (gente leiam a história, há muitas conexões!); e aí a menina Rostov acha que de fato conhece o amor na figura de Anatole. Ele lindo, loiro, falando todas as coisas mais românticas do mundo, ela obviamente se apaixona loucamente. E por essa paixão, ela se torna imprudente, mente o tempo inteiro para a família linda dela, engana o pobre Andrei que é o noivo e está na guerra, se afasta de Pedro (melhor amigo - outro personagem fantástico!). E se torna outra pessoa. Uma pessoa disposta a abrir mão de tudo o que tem, das pessoas que gosta por um amor louco baseado em cartas e excessos. No século XIX um moça abandonar tudo e fugir com um salafrário era coisa séria. Mas Natasha se sentia enfim amada e para isso valia a pena perder tudo. Quero dizer que nesse momento eu fiquei com ódio profundo da Natasha, ela que sempre foi tão esperta, foi cair numa cilada dessas de viver só de amor e luz azul! Talvez eu seja excessivamente racional e talz, mas a Natasha me irritou com essa cegueira ridícula de entrar numa história que era um  precipício. O fato é que ela se jogou no precipício, mas foi salva nos 45 minutos do segundo tempo pelo velho amigo Pedro, que conhecia as intenções tortuosas de Anatole. 
Andrei quando sabe que a noiva tentou fugir com um dos maiores vagabundos da Rússia, naturalmente termina, e Natasha fica mal falada, envergonhada, sem a antiga boa relação com a família e mais decepcionada que nunca com o amor. Ela começa a tentar superar esses desencontros amorosos e ir viver a vida, ou o que restou dela considerando que a invasão francesa afetou a muitos na Rússia.
Depois de muitas idas e vindas e um amadurecimento a duras penas, depois de conseguir o perdão de Andrei, Natasha começa a fazer uma introspecção de sua vida e percebe que ela conhecia sim o amor. Ele sempre esteve perto. E a aceitava, gostava dos defeitos e qualidades, não se afastou dela na vergonha. Natasha percebeu o óbvio para mim ao longo do livro: o amor da vida dela era o conde Pedro Bezukov, o amigo que sempre esteve perto e lhe passava cumplicidade, confiança e tranquilidade.
Esse rumo dado por Tolstói me marcou e adorei o resultado (torci por Natasha e Pedro desde a primeira página em que eles interagem). Todo mundo passa um percurso semelhante ao de Natasha: criamos fórmulas, conceitos e idéias sobre o que é o amor, investimos, nos jogamos, esperamos muito do outro, nos decepcionamos, prometemos nunca mais cometer erros infantis e depois incorremos neles. Com sorte, encontramos nosso Pedro. O que sei que é a relação de Natasha e Pedro é a mais próxima do tipo de amor que quero viver. Mais importante que admiração e paixão avassaladora, é cumplicidade, confiança, apoio mútuo. Isso vale para uma relação amorosa e vale para todas as relações importantes que a gente estabelece vida a fora.
No fim somos todos um pouco Natasha: jovens, petulantes, certos de que compreendemos o mundo e ele não é páreo para nós; mas igualmente indefesos diante de nossos próprios sentimentos, precisando sempre de um amor tranquilo ao fim da guerra.

P.s: Aceito de bom grado Guerra&Paz, o volume único.



Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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