23.8.13

Eles são de nuvem ou de bombril?


"E quem disse que meu cabelo não é bom?"

Se existe um discurso racistas que foi terrivelmente naturalizado é essa maldita história que cabelo liso é bom e cabelo crespo/cacheado é ruim. Essa conversa nada mais  é que uma das bases da eugenia nazista e aqui no Brasil virou racismo velado. Essa afirmação "inocente" traz sérias discussões, uma delas é genética, que aponta que o cabelo crespo/cacheado é dominante, o que implica dizer que no processo de seleção natural dos humanos, as características fortes dominam, logo se recorrêssemos a genes e talz, o cabelo bom seria justamente o cacheado/crespo.
Para além disso a minha experiência pessoal me autoriza a abominar esse discurso. Nasci com o cabelo cacheado, ao passo que minha irmã - nossa recessiva mor, com o cabelo liso; por muito tempo desde a infância fui ridicularizada por ela por causa de meu cabelo bagunçado. Era um suplício ter minha irmã dizendo que o cabelo dela era bom e o meu um fuá, e o pior é que não era um discurso isolado. Por mais de 20 anos meu cabelo viveu preso em rabos de cavalo impregnados de gel, e tão bem amarrado que doía meu couro cabeludo.
Na faculdade com meus amigos de História conheci gente de cabelo "bagunçado" e secretamente achei a coisa mais linda do mundo. E comecei a perceber que eles declaravam uns aos outros sobre aquela beleza e aquilo sim era natural. Foi Deus quem fez, e ele não erra. Eu percebi que meu cabelo também podia ser lindo daquele jeito desde que eu aceitasse e assumisse a minha cacheação. Assumi. E foi a melhor coisa que fiz. Eu sinto a liberdade que meus cabelos tem hoje e isso me faz bem e mais bonita. Hoje ele só é amarrado quando há muito calor e o coque fica frouxo porque meus cabelo curte a liberdade. Hoje quando ele passa por uma escova as pessoas estranhas e perguntam: Cadê os cachos? (A reação de Ana Laura na foto acima é um exemplo desse estranhamento!).
Ouço muito as pessoas querendo me 'ajudar' e dizendo: "mulher que cabelo bagunçado!", "dá uma progressiva nesse cabelo!" (minha mãe é uma das ativistas do movimento Ailma alisa o cabelo - uma vez por ano eu aliso pra deixá-la feliz). Mas eu não me importo mais. Sei que elas estão repetindo mecanicamente e sem a menor autocrítica um discurso preconceituoso e eurocêntrico que é anterior a elas e infelizmente é muito forte. Eu sei que elas querem me embranquecer, mesmo que somente pelo cabelo, todavia minha resposta é simples: não. Meu cabelo é lindo assim. E ele não é duro, pelo contrário é super macio. Ele é negro como eu, e a gente é assim espalhado mesmo. Ele tem formas e curvas, não é escorrido. Meu cabelo assume sua negritude e grita isso aos quatro cantos. Se a revolução começa em mim, eu te digo não me venha com discursos preconceituosos que só foram forjados para justificar os crimes que a Europa cometeu contra a África. Sim, a história do meu cabelo vem de muito tempo atrás. Os genes que hoje garantem a circunferência dos cachos vieram aprisionados em navios insalubres, e resistiram. Se eles resistiram ao domínio do açúcar, do café, da limpeza étnica nas cidades, eles também resistirão a ditadura da chapinha. Eu gosto é de meu cabelo cacheado de nuvens. O céu fica na minha cabeça.
Logo, se você quer me vê tranquila e em paz, não me venha com discurso de cabelo bom e cabelo ruim. Evolua, saia do século XIX!

1 !:

Hilza de Oliveira disse...

Em terra de chapinha, quem tem cachos é rainha!
Lindas reflexões, Mima!
Acho muito engraçadinha essa foto, fico lembrando da legenda que você atribuiu quando postou no facebook.
Um beijo!

Ailma Barros,
mais de mil perguntas sem resposta, muito prazer!

 
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