"E quem disse que meu cabelo não é bom?"
Se existe um discurso racistas que foi terrivelmente naturalizado é essa maldita história que cabelo liso é bom e cabelo crespo/cacheado é ruim. Essa conversa nada mais é que uma das bases da eugenia nazista e aqui no Brasil virou racismo velado. Essa afirmação "inocente" traz sérias discussões, uma delas é genética, que aponta que o cabelo crespo/cacheado é dominante, o que implica dizer que no processo de seleção natural dos humanos, as características fortes dominam, logo se recorrêssemos a genes e talz, o cabelo bom seria justamente o cacheado/crespo.
Para além disso a minha experiência pessoal me autoriza a abominar esse discurso. Nasci com o cabelo cacheado, ao passo que minha irmã - nossa recessiva mor, com o cabelo liso; por muito tempo desde a infância fui ridicularizada por ela por causa de meu cabelo bagunçado. Era um suplício ter minha irmã dizendo que o cabelo dela era bom e o meu um fuá, e o pior é que não era um discurso isolado. Por mais de 20 anos meu cabelo viveu preso em rabos de cavalo impregnados de gel, e tão bem amarrado que doía meu couro cabeludo.
Na faculdade com meus amigos de História conheci gente de cabelo "bagunçado" e secretamente achei a coisa mais linda do mundo. E comecei a perceber que eles declaravam uns aos outros sobre aquela beleza e aquilo sim era natural. Foi Deus quem fez, e ele não erra. Eu percebi que meu cabelo também podia ser lindo daquele jeito desde que eu aceitasse e assumisse a minha cacheação. Assumi. E foi a melhor coisa que fiz. Eu sinto a liberdade que meus cabelos tem hoje e isso me faz bem e mais bonita. Hoje ele só é amarrado quando há muito calor e o coque fica frouxo porque meus cabelo curte a liberdade. Hoje quando ele passa por uma escova as pessoas estranhas e perguntam: Cadê os cachos? (A reação de Ana Laura na foto acima é um exemplo desse estranhamento!).
Ouço muito as pessoas querendo me 'ajudar' e dizendo: "mulher que cabelo bagunçado!", "dá uma progressiva nesse cabelo!" (minha mãe é uma das ativistas do movimento Ailma alisa o cabelo - uma vez por ano eu aliso pra deixá-la feliz). Mas eu não me importo mais. Sei que elas estão repetindo mecanicamente e sem a menor autocrítica um discurso preconceituoso e eurocêntrico que é anterior a elas e infelizmente é muito forte. Eu sei que elas querem me embranquecer, mesmo que somente pelo cabelo, todavia minha resposta é simples: não. Meu cabelo é lindo assim. E ele não é duro, pelo contrário é super macio. Ele é negro como eu, e a gente é assim espalhado mesmo. Ele tem formas e curvas, não é escorrido. Meu cabelo assume sua negritude e grita isso aos quatro cantos. Se a revolução começa em mim, eu te digo não me venha com discursos preconceituosos que só foram forjados para justificar os crimes que a Europa cometeu contra a África. Sim, a história do meu cabelo vem de muito tempo atrás. Os genes que hoje garantem a circunferência dos cachos vieram aprisionados em navios insalubres, e resistiram. Se eles resistiram ao domínio do açúcar, do café, da limpeza étnica nas cidades, eles também resistirão a ditadura da chapinha. Eu gosto é de meu cabelo cacheado de nuvens. O céu fica na minha cabeça.
Logo, se você quer me vê tranquila e em paz, não me venha com discurso de cabelo bom e cabelo ruim. Evolua, saia do século XIX!
1 !:
Em terra de chapinha, quem tem cachos é rainha!
Lindas reflexões, Mima!
Acho muito engraçadinha essa foto, fico lembrando da legenda que você atribuiu quando postou no facebook.
Um beijo!
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